30.1.08

Bonito, participativo e inútil.

A tentativa de regulamentar a questão urbana na capital catarinense não é recente. O desprezo pela lei, muito menos. Em 1952 foi proposto o primeiro Plano Diretor para a cidade, que direcionava o crescimento para o sul e a previa a construção de uma série de equipamentos urbanos – alguns deles realizados décadas depois. Após a aprovação, o conceito do plano foi modificado e a cidade cresceu para o norte, atendendo – já naquela época – interesses “político-imobiliários”.

A partir de 1967, o Conselho de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo desenvolveu um segundo Plano, sob as orientações do Sistema Federal de Habitação e Urbanismo. A idéia era criar uma região metropolitana, tendo Florianópolis como centro. Contudo, passaram-se nove anos até que em 1976, quando foi sancionado, o projeto não refletia a situação da cidade. Mesmo assim, o jovem prefeito de então foi às comunidades explicar a proposta e colher sugestões. Tudo bonito, participativo e inútil: a partir daí, diversas leis surgiram para adequar o Plano à realidade ou para atender interesses escusos. Florianópolis continuou entregue a uma expansão caótica e ao emaranhado de leis relativas às questões que deveriam ser regulamentadas pelo Plano Diretor.

Criado em 1977, o IPUF em 1982 contava com uma proposta de revisão do Plano. Mas naquele ano foi aprovada somente a parte que abrangia regiões periféricas do centro urbano, o Plano da Trindade (Lei 1851/82). Adiante, já contabilizando o crescimento do turismo, surge o Plano dos Balneários (Lei 2.193/85) – base para a legislação que abrangeria a região central. Somente em 1996, sob diretrizes estabelecidas em 1982, o atual Plano Diretor do Distrito Sede foi confirmado. Isto é, enquanto a cidade explodia, o projeto arrastava-se, transitando nos gabinetes da administração municipal e da câmara dos vereadores. Após a aprovação os fatos são conhecidos: criou-se um mercado onde se negociaram alterações na Lei, já totalmente desfigurada.

Deste breve histórico conclui-se que se a cidade precisa respirar o “defeso” proposto pela Prefeitura não pode ficar restrito a uma ou outra região. Isso seria repetir os erros do passado, deixando diversas áreas da cidade desprotegidas. Florianópolis tem que ser pensada como um todo e para isso o “defeso” deve ser estendido a toda cidade enquanto não for aprovada a nova legislação. Do contrário, continuaremos no faz-de-conta: bonito, participativo e inútil.

3.1.08

Íntegro às avessas.

(artigo publicado no jornal A Notícia, do dia 30.12.2007)

Princípios são inegociáveis. Esse era o modo de Mário Covas de fazer política: aberto, democrático, em contato com as diversas correntes políticas sem abrir mão de suas convicções mais profundas. Sabia ele que a convivência exige o respeito; que a democracia valoriza a diferença e pressupõe, por isso, o diálogo e o acordo entre aqueles que têm pensamentos diversos e, em muitos casos, conflitantes. Porém, em nenhum caso os princípios podem ser objeto de barganha.

Ao contrário do que estamos habituados a ouvir, a vida pública não comporta uma ética autônoma. O bom cidadão – o que é um bom político, antes de tudo – esforça-se para manter a “unidade de vida”, ou seja, para ser o mesmo e cultivar virtudes em todos os campos de sua atuação. A isso chamamos integridade. Pessoas íntegras preservam sempre bons princípios; não jogam para a platéia, adaptando suas crenças às circunstâncias. Fazem o que precisa ser feito, podendo, inclusive, mudar de opinião por conta do dever de estar em dia com sua consciência. Sendo fruto da reflexão racional apoiada nos valores recebidos desde a infância, suas posições refletem a solidez do seu caráter - o que as torna confiáveis e respeitadas até por seus adversários. A história nos deu diversos exemplos de pessoas assim, Mário Covas foi um deles.

Por outro lado, existe a integridade às avessas: o sujeito firme nos maus princípios. Nosso presidente, por exemplo, quando se disse uma “metamorfose ambulante”, além de contribuir na descrença da população com a política, tentou disfarçar os valores negativos que o movem. Tratando sua mudança de posição em relação à CPMF como mostra de maturidade e não-radicalismo, comprovou apenas que não mudou. Sempre que o País precisou de políticos para tomar decisões fundamentais – ainda que impopulares –, Lula e seu partido ou se abstiveram ou disseram “não”. Foi assim, entre tantos exemplos possíveis, na eleição de Tancredo Neves; na Constituição de 1988; na implantação do Plano Real; na criação da CPMF; e, agora, no fim dessa contribuição.

Felizmente, a cada dia, mais brasileiros percebem a necessidade de eleger pessoas positivamente íntegras e deixar de lado bizarras e enganadoras metamorfoses.