31.10.06

Bruxas à solta, na esquina democrática.

“Hoje, dia 31/10, a partir das 13 horas, o Sintufsc vai estar fechado devido ao envolvimento dos funcionários com a celebração do Dia Nacional do Saci Pererê, que acontece das 14 às 17 horas, na Esquina Democrática (rua Felipe Schmidt em frente à igreja São Francisco).” (Mensagem no site do Sintufsc)

É isso mesmo, hoje alguns sindicatos de Florianópolis, capitaneados pelo SINTUFSC, fazem manifestação no centro da cidade para “comemorar” o Dia Nacional do Saci. Nada surpreendente, para quem conhece as figuras. Na falta do que fazer comemora-se o Saci. O “evento” pretende ser um marco de resistência ao colonialismo cultural, representado pelo Halloween, a festa norte-americana das abóboras, bruxas, esqueletos e crianças pedindo doces pela vizinhança. A proposta não é de todo má, afinal a festa realmente é uma transformação de duas datas religiosas em um evento comercial. Porém, ao invés de retomar o caráter das festas, os amigos desocupados a afastam ainda mais do sentido original.

Quero citar aqui o escritor italiano Paolo Gulisano, que junto à pesquisadora irlandesa, residente nos Estados Unidos, Brid O’Neill, publicou nestes dias em italiano um livro titulado «A noite das abóboras» («La notte delle zucche», editora Ancora). Em entrevista a revista “Zenit” diz que:

"O nome Halloween é a deformação americana do termo, no inglês da Irlanda, «All Howllows’ Eve»: Vigília de Todos os Santos. Esta antiqüíssima festa chegou aos Estados Unidos junto com os imigrantes irlandeses e lá se enraizou, para sofrer recentemente uma radical transformação. Das telas de Hollywood, a moda de Halloween chegou assim desde há alguns anos à velha Europa e a outras partes do mundo. Detrás de Halloween está uma das mais antigas festas sagradas do Ocidente: uma festa que atravessou os séculos, com usos e costumes que se foram redefinindo no tempo, mas que conservaram o mesmo significado. Suas origens, o significado dos símbolos, são, contudo, desconhecidos para a maioria.

Halloween não é mais que a última versão, secularizada, de uma ortodoxa festa católica, e em meu livro procurei explicar como pôde suceder que uma tradição plurissecular cristã tenha se convertido no atual carnaval de terror. Digamos antes de tudo, que a origem deste último fenômeno, Halloween, é completamente americana. Nesse país, ao que chegaram milhões de imigrantes irlandeses, com sua profunda devoção pelos santos, se tratava de um culto muito fastidioso para a cultura dominante, de caráter puritano. Deste modo, em sua atual versão secularizada, buscou-se descartar o sentido católico de Todos os Santos, mantendo em Halloween o aspecto lúgubre do mais além, com os fantasmas, os mortos que se levantam dos túmulos, as almas perdidas que atormentam aos que em vida lhes fizeram dano: um aspecto que se tenta exorcizar com as máscaras e as brincadeiras. Obviamente, o velho continente não podia permanecer muito tempo sem adotar o novo «culto». De fato, vemos Halloween difundir-se cada vez mais entre nós com seu cortejo de artigos de consumo mais ou menos macabros -- caveiras, esqueletos, bruxas -- que não se propõe como uma forma de neopaganismo, nem como um culto esotérico, mas simplesmente como uma paródia da religiosidade cristã autêntica, com fins preferentemente consumistas: vender produtos de carnaval (o chamado mercado de Halloween), máscara, caveiras, abóboras, capas, gorros e outras coisas, além de espaços publicitários nos filmes de horror emitidos pelas emissoras de televisão. Halloween se propõe comercialmente como uma festa jovem, divertida, diferente, «transgressiva»; a pessoa se disfarça de fantasma, bruxa ou zumbi para ir a alguma festa..."

O tal “Dia do Saci”, portanto, é mais pernicioso para a perda das raízes cristãs e históricas da festa do que o próprio Halloween. Festejar os mortos e os Santos, de uma forma leve e divertida ajuda as crianças a verem a morte sem medo, como um evento natural. O que se necessita é reavivar o respeito pela data, quem sabe se espelhar na festa dos mortos mexicana fosse mais produtivo e, ao mesmo tempo, poderia fortalecer a “unidade latino-americana”, tal cara aos sindicalistas de plantão. Todos ficariam contentes: cristãos e comunistas.

Para finalizar, é bom lembrar que o “Dia do Saci” é o principal projeto do Presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Estamos bem arranjados.

Jefferson Fonseca