Em "O PT e a Metafísica dos Costumes", Boff dá nó em pingo d'agua para dizer que a corrupção do PT é melhor do que a corrupção dos outros. A ladainha começa quando resolve tratar o assunto não em bases teológicas, pois estas não seriam “moeda corrente”. Escolhe para o martírio Kant. Imagino, portanto, que o pensador alemão é moeda corrente em papos de bar, em feiras, nas fábricas... Repito: a loucura esconde o método. Na verdade Boff recorre ao princípio de autoridade ao buscar o filósofo. O que demonstra a manutenção do senso de realidade já que, diferente do que alguns imaginam, reconhece que teologia não é bem a sua área – pelo menos não dentro do catolicismo.
Kant não vem ao caso, ele está ali como mero objeto decorativo. Em seu lugar poderia estar qualquer outro pensador amplamente conhecido pela população - a Bíblia talvez fosse algo muito hermético. O ponto central do artigo, a idéia que ele quer passar, é que a corrupção praticada pelo PT visa à construção de um "projeto libertador" e, portanto "difere da tradicional que é patrimonialista, quer dizer, visa ao enriquecimento do patrimônio pessoal". O que, para Boff, não justificaria os atos da direção nacional do PT, mas certamente amenizaria a culpa.
No artigo mais recente, "Interromper o processo em curso?”, a fórmula se repete. Dessa vez com uma lista de autores para servir de esbirro à tese de que alguns corruptos são mais execráveis que os outros. Boff inicia separando de um lado o bode expiatório, "setores dirigentes do PT"; de outro Lula e, suponho, os demais setores do partido. Como se o presidente não fosse a principal figura do campo majoritário e os demais petistas, principalmente dirigentes e detentores de mandato, não fossem beneficiários das falcatruas de Delúbio Soares. Conclui, afirmando em tom de ameaça, que um eventual impeachment de Lula seria "interromper o processo do novo, abrindo o caminho para a antiga dominação e para continuarem a mamar das tetas do Estado". Fica claro que para Boff algumas dominações também são melhores que as outras.
Olhar muito "longe e fundo", inevitavelmente, provoca tropeços. No século XX muitas vidas foram ceifadas pelo tal "projeto libertador" de Leonardo Boff e não faltaram intelectuais para tentar justificar as atrocidades. Stalin, Mao, Pol-Pot, Fidel Castro, todos!, justificaram seus crimes vendendo a Utopia e contando com o princípio de autoridade de gente como Sartre - para usarmos um exemplo internacional - que em nome do "projeto" preferia cerrar os olhos - os dele e os alheios - diante da imundície. No Brasil também não faltaram aqueles que preferiram não acreditar nas barbáries promovidas em nome do triunfo da verdade; e aqueles que, acreditando, preferiram esconder. Jorge Amado é exemplo típico.
Diante da atual crise seria melhor contarmos com intelectuais capazes de formular a autocrítica de suas utopias. Mas o que temos são os "Boffes" do PT, nos dando a versão da "Teologia da Libertação" aplicada à política. Se naquela a Igreja deveria deixar a busca da salvação universal para dedicar-se a salvar uma única classe, na nova versão é o castigo que deve ser destinado a um só grupo: o daqueles que pensam diferente. Vejo que a tradição do "projeto libertador" continua tendo seus arautos de luxo.
Jefferson Rafael da Fonseca